Por influencia da cultura budista, os japoneses sempre tiveram repulsa por carne de animais ou de aves, tipo de alimento que só foi admitido no Japão após a era Meiji (1868). O peixe era e é a mais tradicional e rica fonte de proteínas da dieta nacional, e os mares que cercam o país são provavelmente os mais ricos do mundo em pescados, frutos do mar e até mesmo em algas, ricas em vitaminas e ferro.
Tamanha riqueza deriva das grandes profundidades desses mares, cujo fundo está em constante turbulência vulcânica. Sob o arquipélago de mais de 3.600 ilhas, o encontro de correntes marítimas abissais se encarrega de espalhar os minerais imprescindíveis à cadeia alimentar submarina. Esse processo engenhoso da natureza faz com que os frutos do mar do Japão sejam os mais deliciosos do mundo (e se tornem ainda mais gloriosos depois de passar pelas mãos dos mestres da culinária nipônica). Em contrapartida, a terra arável é pouca e montanhosa.
Um fato é notório: no Japão, todos os dias, todas as pessoas, em pelo menos duas refeições, comem algo do mar, por consumo direto (peixes, mariscos, algas) ou indireto(a alga kombu no arroz, o peixe seco katsuobushi na sopa, por exemplo).
Não há registros precisos de quando começou o hábito japonês de comer peixe fresco cru (sashimi). No final do século 14, os primeiros portugueses a aportarem no Japão já notaram esse costume local, considerando-o bárbaro e exótico (apesar de os próprios lusitanos serem grandes apreciadores de ostras frescas e cruas). Já naquela época, o peixe era comido com molho de soja (shoyu) e misturado a vários agentes de sabor.
Historicamente, o consumo de peixe cru, misturado a molhos e temperos, sempre fez parte da dieta alimentar de vários países e culturas. Os arenques da Escandinávia, as ostras da França, os ouriços-do-mar do Chile, o ceviche peurano, o muk-tuk esquimó e o caviar do Cáspio são exemplos de que o gosto por delícias do mar frescas ou cruas não é privilégio japonês. No litoral sul brasiloeiro, os sambaquis (colinas surgidas do acúmulo de conchas, cascas de ostras e outros restos de comida dos habitantes do Brasil pré-histórico) também demonstram a existência desse hábito entre nossos primitivos índios. Se abrirmos o leque para as comidas cruas em geral, não podem faltar ba lista clássicos culinários como o carpaccio, o kibe cru, o steak tartar, o gravlax, e tantos outros pratos.
O uso do vinagre para a conservação de alimentos é antiqüíssimo, havendo referencias desde o Antigo Egito, passando pela Babilônia, Roma e todo o Oriente. A combinação peixe e vinagre, por sua vez, constitui a base de muitos molhos. Os romanos usavam e abusavam de uma pasta de peixe feita com vinagre (garum), usada como base para inúmeros pratos, e os povos do Sudeste Asiático a empregam até hoje como item indispensável de sua culinária. Poderoso anti-séptico, o vinagre evita o desenvolvimento de bactérias, daí sua importância na conservação de alimentos.
Em outras parte da Ásia, porém, o peixe era conservado
em arroz. Pesquisas históricas atuais apontam que essa técnica de conservação surgiu provavelmente em Mianmar, país cujas montanhas abrigavam o cultivo do cereal e onde havia muito peixe de água doce. Era uma solução que permitia estocar alimentos para eventuais períodos de escassez – isso tudo cerca de 500 anos antes do início da era cristã.
A origem do sushi é obscura e remonta há muitos séculos. Os ideogramas da palavra são de origem chinesa e tem a nada atraente significado de “tripas de peixe salgadas”.
Num ancestral exemplo de bom senso de marketing, ao fazer a transcrição fonética para seus próprios ideogramas os japoneses mudaram a palavra . o primeiro ideograma, su, significa felicidade; o segundo, shi, quer dizer presidir. Assim, a palavra designa algo como “presidir a felicidade”, o que, numa interpretação livre pode ser entendido como “comer peixe, feliz”.
Embora não se saiba bem onde termina a verdade histórica e onde começa a lenda, acredita-se que os pescadores conservavam o pescado utilizando uma papa de arroz cozido, misturada com vinagre (su) do próprio arroz. A preparação consistia em limpar o peixe – em geral, carpa -, fatia-lo em filés e salga-los. Cruas (ou às vezes cozidas ou grelhadas de leve), as fatias eram cobertas com a papa. Por cima de tudo, punha-se uma pedra para pressionar o alimento. O peixe tornava-se avinagrado, mas perfeitamente comestível por muito tempo, com o arroz, ajudado pelo vinagre, produzindo ácido láctico para impedir a formação de bactérias. Apesar do avanço das tecnologias e conservação, esse método sobrevive em aldeias remotas do Japão e de muitos países do Sudeste Asiático. As populações locais o consideram melhor do que as técnicas de desidratação, salga, refrigeração ou congelamento, Alegando que as propriedades e o sabor do peixe são mais bem preservados.
Esse seria o sushi original no Japão, e o primeiro documento formal que o atesta data de 700 d.C. O processo primitivo, contudo, levava de um a três anos para completar, e, na hora de comer, a papa do arroz tinha de ser descartada. Por volta de 1500, a técnica mudou e introduziram-se outros peixes além da carpa. O prazo de maturação diminuiu para um ou dois meses, e às vezes o arroz era comido. Em cerca de 1700, o peixe passou a ser colocado sobre o arroz avinagrado e prensado dentro de caixas retangulares de madeira. Demorava um mês para ficar adequado ao consumo.
A versão moderna mais aproximada do sushi original é da região de Kansai, onde ficam Nara, Osaka e Kyoto. Nara foi a primeira capital do Império Japonês e diz-se que lá nasceu o primitivo sushi, como alimento para a Cerimônia do Chá. Era feito principalmente com carpa, chamava-se nare-zushi e seguia a modalidade avinagrada descrita anteriormente, sempre se descartando o arroz. Não por acaso, nessa região, até hoje permanece a preferência por peixes avinagrados, embora a carpa raramente seja consumida crua na atualidade.
O surgimento do sushi tal como o conhecemos, no entanto, é relativamente recente. Há documentos que atribuem a um certo Hanya Yohei a idéias de combinar peixe cru fresco com uma porção de arroz avinagrado moldada com os dedos. Isso teria acontecido em Tóquio, em 1824. Capital do Japão moderno, a cidade se caracterizava pela vida agitada. A espera de semanas para que o peixe fosse preparado não condizia com os novos tempos, mais acelerados. Assim, Yohei-san, em sua banca de comidas “rápidas”, logo ganhou fama.
A evolução desse achado conquistou todo o Japão, a ponto de surgirem inúmeras apresentações e estilos de sushi. O mais comum, e mais conhecido mundialmente, é o estilo de Tóquio, chamado de Edomae-zushi (Edo, é o antigo nome da capital japonesa). Mas, com certeza, antes de Yohei-san ficar famoso, o verdadeiro “inventor” do sushi deve ter sido algum anônimo faminto e afoito, que, sem paciência para esperar o tempo de conserva, acabou comendo o peixe ainda fresco e – principalmente – o arroz levemente avinagrado, antes de fermentar.
Outro fator que contribuiu para a popularização nacional do sushi data da ocupação norte-americana do Japão, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Devido à escassez de arroz para alimentar tanta gente, as autoridades responsáveis pelo racionamento da comida decretaram: um cupom equivalente a uma tigela de arroz poderia ser trocado por oito sushis. É claro que ninguém deixava escapar essa mamata.
Conquistada a preferência nacional, o sushi foi lenta e silenciosamente – bem à maneira japonesa – seduzindo o mundo com seu sabor, sua beleza, sua riqueza nutricional e suas constantes inovações.
Prato com os tradicionais sushi niguiri
Prato com sushis contemporâneos